O que é o Marco Temporal: entenda a polêmica sobre demarcação de terras indígenas

No Brasil, a questão da demarcação de terras indígenas tem sido objeto de debates acalorados. Mas, afinal, o que é o marco temporal? Nesta matéria, vamos explorar as disputas em torno desse tema e entender as consequências para os povos originários e para o país como um todo.

Foto mostra indígena, artigo fala sobre o que é o Marco Temporal

O que é o marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas – Foto: Freepik/ND

O que é o Marco Temporal?

O marco temporal é uma tese jurídica que estabelece que os direitos territoriais dos povos indígenas se aplicam apenas às terras que estavam sob sua ocupação até o dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a mais recente Constituição da República Federativa do Brasil.

Isso significa uma alteração na política de demarcação de terras dos povos originários no país, impedindo novas demarcações se não houver comprovação de ocupação antes da data crucial.

O que diz o artigo 231 da Constituição:

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Desse modo, as terras indígenas são bens da União e de usufruto exclusivo dos povos indígenas. Elas são bens inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser objeto de compra, venda, doação ou qualquer outro tipo de negócio, sendo nulos e extintos todos os atos que permitam sua ocupação, domínio ou posse por não indígenas.

Origens e disputas do marco temporal

O assunto ganhou destaque no Brasil ao ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A tese foi inicialmente aplicada em 2009 no caso da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Julgamento no STF que não reconheceu a tese do que é o marco temporal – Foto: Carlos Moura/SCO/STF/ND

Embora o STF tenha limitado sua aplicação a esse caso específico, a tese foi posteriormente utilizada por agricultores e ruralistas para contestar novas demarcações de terras indígenas.

Em 2009, uma disputa semelhante entre agricultores e os xoklengs, um povo indígena de Santa Catarina, influenciou o atual julgamento no STF. Em 2019, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a decisão nesse caso serviria de referência para futuras ações judiciais semelhantes, tornando-o crucial para o debate sobre o marco temporal.

O futuro das políticas de demarcação de terras indígenas no Brasil

Em setembro de 2023, o STF invalidou a tese, que entendeu ir contra o que prevê a Constituição brasileira. Porém, a Câmara e o Senado aprovaram um projeto de lei oito dias após para incluir a tese do marco temporal em lei federal.

Em outubro do mesmo ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parcialmente o projeto aprovado no Legislativo, argumentando que a tese já havia sido considerada inconstitucional.]

Indígenas acompanham sessão do STF – Foto: Kamikia Kisedje/Apib/Reprodução/ND

No entanto, o Congresso derrubou os vetos do presidente e sancionou a Lei, desprezando o que decidiu o STF e os limites fixados pela própria Constituição, deflagrando assim um conflito constitucional e institucional que perdura até hoje.

No momento, apesar do julgamento do STF ter sepultado o marco temporal como critério para demarcação de terras indígenas, a Lei do Marco Temporal promulgada em dezembro está em vigor, com sérias consequências para os povos indígenas.

Consequências do marco temporal

Uma das principais consequências das disputas em torno do marco temporal é a incerteza em relação aos direitos territoriais dos povos indígenas.

A imposição de uma data limite para a demarcação de terras pode resultar na exclusão de comunidades que não conseguiram comprovar sua ocupação até aquele momento, marginalizando grupos historicamente negligenciados e ameaçando sua cultura e sobrevivência.

Além disso, as disputas relacionadas ao conceito de marco temporal têm instigado conflitos entre comunidades indígenas e os setores agrícolas e empresariais.

A maioria dos agricultores e proprietários rurais se manifestam contrários às delimitações de terras indígenas, alegando que estas impactam negativamente o progresso econômico e a atividade agrícola.

A perseguição realizada pelo Estado e por ruralistas fez com que diversos povos indígenas abandonassem suas terras originais, temendo por suas vidas.

Outra consequência importante está relacionada ao impacto ambiental. As terras indígenas desempenham um papel fundamental na conservação de ecossistemas naturais e na mitigação das mudanças climáticas.

A limitação das demarcações de terras indígenas de acordo com o Marco Temporal pode comprometer esses esforços de conservação, colocando em risco não apenas as comunidades indígenas, mas também a saúde e o equilíbrio do meio ambiente.

De forma geral, as divergências em torno da tese do marco temporal revelam conflitos arraigados entre interesses econômicos, ambientais e os direitos das comunidades indígenas.

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