Faculdade de arquitetura da USP pede afastamento de presidente do órgão de proteção ao patrimônio após condenação


Ministério Público contesta projeto por causa do corte de árvores, além da ideia de construir um prédio-garagem às margens do Córrego Pirajussara Mirim. Carlos Augusto Mattei Faggin foi condenado por improbidade após atuar no processo de destombamento de um casarão histórico em Guarulhos. FAUUSP emite nota sobre presidência do Condephaat
Reprodução/Instagram
A direção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) pediu o afastamento do arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin da presidência do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado).
Faggin, que é professor aposentado da instituição, foi condenado por improbidade administrativa por atuar no processo de destombamento de um casarão histórico em Guarulhos, na Grande São Paulo. (leia mais abaixo)
Além disso, o escritório de arquitetura de Faggin recebeu mais de R$ 1 milhão para fazer o projeto do Plano Diretor da Fundação Butantan — o documento foi aprovado pelo mesmo Condephaat que é presidido por Faggin desde 2017.
E nota publicada nesta sexta-feira (10), a FAUUSP afirma que “não considera saudável essa dupla atuação, ainda que ela seja aparentemente aceita pela Secretaria de Estado da Cultura, já que se configura uma situação com grande potencial de conflitos de interesses”. (íntegra abaixo)
Na segunda (6), Faggin se pronunciou em relação à condenação. O arquiteto defendeu seu parecer pelo destombamento do casarão e disse que não deveria ser responsabilizado pela decisão da Câmara Municipal de Guarulhos em acatar o pedido de destombamento do imóvel. Ele disse, ainda, que apresentou recurso e aguarda decisão do Tribunal de Justiça. (íntegra abaixo)
Sobre o suposto conflito de interesses por manter um escritório de arquitetura e, eventualmente, assinar pareceres favoráveis ao seu trabalho como presidente do Condephaat, o arquiteto disse que, nesses casos, ele se declara impedido de votar e se retira da sala durante as discussões.
A direção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP destacou que “tal afirmação deixa claro que há conflitos de interesse, e que eles parecem ser recorrentes”.
Faggin termina a nota se dirigindo aos colegas conselheiros do Condephaat e dizendo que a condenação será “esclarecida e corrigida pela Justiça”.
Improbidade administrativa
Além de Faggin, a Justiça de São Paulo também condenou por improbidade administrativa o ex-prefeito Sebastião de Almeida (Solidariedade), servidores públicos e parlamentares que votaram a favor do projeto de destombamento — incluindo Guti (PSD), atual prefeito e ex-vereador na cidade. No total, foram condenadas duas empresas e 39 pessoas físicas.
Todos os envolvidos atuaram no processo de destombamento do Casarão Saraceni, um dos raros imóveis que contavam a história da imigração italiana em Guarulhos, o segundo maior município do estado de São Paulo;
Os desembargadores determinaram que os condenados percam as funções públicas e os direitos políticos por três anos;
Eles ainda deverão pagar uma multa de cinco vezes o valor do último salário recebido como agente público;
O imóvel, que ficava no estacionamento do Internacional Shopping Guarulhos, foi tombado em 2000 como patrimônio do município;
Mas em 2010, com base em um documento assinado por Carlos Augusto Faggin, ele foi destombado com autorização da Câmara Municipal e da prefeitura.
À época, Faggin ainda era conselheiro do órgão estadual de defesa do patrimônio.
Por sua empresa particular, o escritório de arquitetura FGGN, Faggin assinou um laudo defendendo o destombamento sob a justificativa de que “o casarão não era relevante e nada tinha de interessante”.
Com esse documento, o vereador Geraldo Celestino encaminhou um projeto para revogar a proteção ao imóvel. Assim que o imóvel deixou de ser protegido, começou a ser demolido. (veja o antes e depois abaixo)
No lugar do casarão, o shopping, dono do terreno, construiu mais vagas para carros, mas a mudança na paisagem logo entrou na mira do Ministério Público.
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“O tribunal considerou como um ato de improbidade, ou seja, um ato de corrupção, algo grave, uma conduta realmente preocupante, que tem consequências bem pesadas no Direito”, explicou Marcelo Figueiredo, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP.
Ação Civil do Ministério Público
O processo de destombamento foi alvo de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público. O órgão apontou que a proposta “não traz qualquer benefício à coletividade. Apenas visa beneficiar economicamente as empresas que exploram o Internacional Shopping de Guarulhos, que tinham a nítida intenção de ampliação de seu estacionamento”.
As defesas dos condenados pediram mais explicações ao Tribunal de Justiça. Por isso, as penas ainda não podem ser cumpridas.
“Falta o julgamento de um recurso chamado embargos de declaração. Essa decisão não é leve, é uma pena pesada, que vai atingir não só o bolso das pessoas, como também a reputação das pessoas condenadas”, destacou o professor Marcelo Figueiredo.
Família Saraceni reunida diante do casarão no natal de 1951
Instituto São Paulo Antiga
Casos semelhantes
O Ministério Público acompanha outros dois casos com procedimentos semelhantes.
Em fevereiro, o SP2 mostrou que o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio de São Paulo) decidiu não estudar o tombamento de um casarão demolido nos Jardins, na Zona Oeste da capital, com base em um laudo apresentado pela construtora interessada no terreno.
O documento, que dizia que o imóvel não tinha relevância histórica, também foi assinado por Carlos Augusto Faggin, que disse que o imóvel não tinha relevância histórica.
O que dizem os envolvidos
A defesa de Carlos Augusto Faggin informou que o arquiteto apenas elaborou parecer técnico sobre as características arquitetônicas e históricas da Casa Saraceni e que esse parecer tinha como objetivo informar e sugerir providências à administração pública. A defesa do arquiteto ressaltou, ainda, que ele não se tornou réu nesta ação por ser presidente do Condephaat, mas por ter elaborado o documento.
A Secretaria Estadual de Cultura, responsável pelo Condephaat, disse que não existe impedimento legal para que Carlos Augusto Faggin ocupe o cargo. A pasta também afirmou que todos os conselheiros têm autonomia para elaborar pareceres técnicos e participar de projetos com suas empresas ou como pessoa física, desde que não exista relação direta com o conselho.
Guti, atual prefeito de Guarulhos, considerou a decisão equivocada e disse que vai recorrer.
O Internacional Shopping de Guarulhos informou que não tem conhecimento do processo e que a área onde estava o casarão não pertence ao shopping desde 2022.
O SP2 não conseguiu contato com o ex-prefeito Sebastião de Almeida e com vereador Geraldo Celestino.
Nota da FAUUSP
“A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo vem por esta nota manifestar-se sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de SP, que condenou em segunda instância diversos agentes públicos, entre os quais o arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin, atual presidente do Condephaat, que é professor aposentado desta faculdade. Nesse sentido, cabe esclarecer que o Prof. Faggin não atua no conselho enquanto representante da FAUUSP. A condenação, fato incontestável e não apenas uma denúncia, ainda está no aguardo do julgamento de um embargo de declaração.
Ainda assim, vale considerar que a condenação por improbidade administrativa, em função de destombamento do casarão Saraceni, em Guarulhos, envolveu a produção pelo Arq. Carlos Faggin, em 2010, de parecer técnico indicando que esse imóvel não tinha relevância suficiente que justificasse o seu tombamento, enquanto o arquiteto era ao mesmo tempo, conselheiro do Condephaat. As notícias veiculadas pela imprensa levantam outros casos de atuação concomitante do arquiteto enquanto era conselheiro ou mesmo presidente do Condephaat.
A FAUUSP não considera saudável essa dupla atuação, ainda que ela seja aparentemente aceita pela Secretaria de Estado de Cultura, já que se configura uma situação com grande potencial de conflitos de interesses. Isso se evidencia pelas declarações do próprio presidente do órgão, quando afirma, em comunicado, que “no exercício da Presidência do Condephaat tenho como procedimento, quando há conflito de interesses com o meu trabalho profissional, de me declarar impedido de votar, retirando-me da sala do Conselho durante a discussão, a deliberação e a votação desses assuntos”. Tal afirmação deixa claro que há conflitos de interesse, e que eles parecem ser recorrentes.
A FAUUSP sempre participou ativamente do Condephaat-SP, defendendo a importância da preservação do patrimônio construído, e a lisura nos processos de julgamento, baseada na isenção de seus conselheiros. A lei que criou o Condephaat (10.247/68) permitiu a inclusão das Universidades Públicas, pelo relevante papel que elas têm nas pesquisas científicas e discussões relativas à preservação do nosso patrimônio.
Mas, vale aqui relembrar, em outubro de 2018, a Congregação da FAUUSP emitiu uma moção de desagravo ao mesmo presidente do órgão, que, embora tenha sido professor da casa, desqualificou a participação de conselheiros da universidade, postura que, escandalosamente, levou à publicação pela mesma presidência, de um decreto (64.186/2019) que reduziu de 13 para apenas 4 os representantes das universidades no órgão.
Passados cerca de seis anos, a atual situação evidencia a relevância do imprescindível papel fiscalizador dos conselheiros representantes da sociedade civil, dentre os quais os da universidade. Neste momento, a FAUUSP acredita que seria desejável – até mesmo para que seja garantido seu direito de defesa – o afastamento cautelar do presidente, pelo menos enquanto durem os prazos recursais”.
O que diz Carlos Augusto Mattei Faggin
“Na semana passada a mídia deu abrigo a uma denúncia eivada de inverdades sobre a minha conduta. Essa denúncia envolve um Parecer Técnico de minha autoria datado 14 de julho de 2010, sobre uma residência localizada em Guarulhos. Nesse Parecer concluí que esse imóvel não tinha relevância suficiente que justificasse o seu Tombamento pelas autoridades de Guarulhos. Assinalei no meu Parecer que o imóvel tinha sofrido diversas alterações que o descaracterizavam e anulavam o seu valor histórico. Sofria a casa em questão, de problemas de manutenção e conservação que colocavam em risco o seu uso. Convém lembrar que esse imóvel não foi em nenhum momento objeto de interesse do CONDEPHAAT, não sendo por ele tombado, nem mencionado em Estudos de Tombamento.
Esse meu Parecer, que não sugeria demolição, foi entregue a Câmara Municipal de Guarulhos para a sua deliberação, da qual não participei, não votei e nem estive presente. Assim a Câmara resolveu cancelar tombamento do imóvel em questão, decisão essa que foi enviada à Prefeitura de Guarulhos para providencias operacionais.
Quero ressaltar aqui dois importantes aspectos sobre esse fato. O primeiro é de que não se pode responsabilizar o autor de um Parecer Técnico pela decisão posteriormente tomada por agentes públicos porque são universos distintos. O Parecer Técnico não pode ser confundido com a decisão da Câmara de Vereadores como também não tem o Parecer Técnico o poder de mando sobre as decisões da Prefeitura.
O segundo aspecto se refere à insistência da mídia em judicializar um Parecer Técnico sugerindo que um profissional seja impedido de exercer a atividade e de expressar sua opinião em Pareceres, e ao mesmo tempo ocupar cargo em um conselho. A decisão da Justiça também imputa ao autor do Parecer a responsabilidade pelas atitudes posteriormente tomadas pelos agentes públicos.
Na mesma matéria mencionada pela mídia, são publicadas suposições a respeito da minha atuação no Plano Diretor do Instituto Butantan, em cujo desenvolvimento atuei como consultor. Em 2011 o Instituto solicitou à FAUUSP, que por sua vez convidou professores para, voluntariamente desenvolverem esse trabalho e eu fiz parte desse grupo de professores.
Uma vez entregues as Diretrizes de Projeto, o IB decidiu desenvolver o trabalho internamente e fui contratado como Consultor em três contratos, o primeiro entre 2018 e 2019, o segundo 2021 e o terceiro entre maio de 2022 e fevereiro de 2023. Portanto o trabalho de elaboração do PDDI do Instituto Butantan se estendeu por doze anos e foi aprovado pelo CONDEPHAAT. É importante esclarecer ainda que nesse caso do Butantan não participei das discussões, das deliberações e nem das votações da matéria, conforme documentado em Atas publicadas no Diário Oficial.
Sou Arquiteto, Urbanista e Designer graduado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Doutor e Mestre em “Estruturas Ambientais Urbanas” pela mesma Faculdade. Sou Professor concursado do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU USP, desde 1983, atualmente no cargo de professor Livre Docente 2.
Sou membro convidado da Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design – CIUAD da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Fui professor de Projeto de Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie entre 1976 a 1983 e de História da Arquitetura na Faculdade de Arquitetura de Santos entre 1979 a 1985.
Possuo cursos de especialização em “Problemas Urbanos em Países em Desenvolvimento” na Harvard University em Cambridge, Estados Unidos em 1970 e em “Questões Urbanas e Arquitetônicas para Habitação Popular” pelo Bouwcentrum for International Education da Universitaat Erasmus em Rotterdam, Holanda em 1983.
Fui vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de São Paulo (IAB-SP), no biênio 2005/2007 e Diretor Técnico da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura – AsBEA por um mandato. Fui também Diretor Tesoureiro da Fundação para Pesquisas Ambientais – FUPAM da FAUUSP por dois mandatos. Mantenho meu escritório de arquitetura, urbanismo e design desde 1975, onde executo trabalhos especializados em projeto de arquitetura, de urbanismo, de patrimônio e de restauro.
Fui Conselheiro do Conselho Consultivo do Acervo Artístico dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo por um mandato e Conselheiro do CONDEPHAAT por nove mandatos e mais três mandatos como Presidente. Sou o atual Presidente do Conselho no meu quarto mandato. Nos meus nove mandatos como Conselheiro, fui indicado pelo Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAUUSP em sete deles, e pela Secretaria de Cultura nos outros dois.
Estive em mandato no CONDEPHAAT por mais de 25 anos, praticamente metade da existência do Conselho.
No exercício da Presidência do CONDEPHAAT tenho como procedimento, quando há conflito de interesses com o meu trabalho profissional, de me declarar impedido de votar, retirando-me da sala do Conselho durante a discussão, a deliberação e a votação desses assuntos.
Considero que a reportagem mencionada, distorce os fatos, fazendo deles a pior interpretação possível. Na Primeira Instancia fui inocentado dessas acusações e na Segunda Instancia, em curso nesse momento, há um embargo de declaração apresentado pela minha advogada e ainda não julgado.
Colegas Conselheiras e Conselheiros, a postura apresentada de forma incompleta e seletiva pela mídia será esclarecida e corrigida e pela justiça, estou certo disso.
É o que me ocorre esclarecer”.
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