‘É como se tivesse ido para Europa e ainda não tivesse voltado’, diz piloto sobre Ayrton Senna

Na Fórmula 1, os brasileiros Ayrton Senna e Nelson Piquet não tinham boa relação. Mas havia um Nelson, que Senna conheceu antes, e com o qual teve excelente relação: o piloto de avião e helicóptero Nelson Loureiro da Silva. Os dois se conheceram nos anos 1970, quando Nelson trabalhava para um sócio de Milton da Silva, pai de Ayrton.

O piloto Nelson Loureiro e as relíquias do ídolo Ayrton Senna – Foto: O piloto Nelson Loureiro e as reliquias do idolo Ayrton Senna

No início da relação, como não gostava de dirigir carro, Nelson deixava o jovem Ayrton conduzir seu Opala Comodoro. Os anos foram passando e ele foi contratado para ser o piloto (de avião e helicóptero) da família, posição que exerceu de 1994 a 2013.

Entre as tantas responsabilidades, ajudou Senna a realizar o sonho de obter a licença para helicóptero, o chamado brevê, expedido em 19 de outubro de 1993, além de acompanhar o piloto nas primeiras viagens, “até afinar a mão”. Também foi ele quem registrou cada uma das 101 horas de voo que o gênio da F1 realizou, sempre de helicóptero.

Relíquias do ídolo Ayrton Senna de Nelson Loureiro – Foto: Nicolas Horácio/ND

“Avião ele não gostava. Dizia que é muito veloz e não dá para ver as coisas bonitas lá de cima”, lembra Nelson, reproduzindo a opinião do amigo. O brevê foi eternizado numa cópia e o original entregue à família. Os detalhes dos voos estão na CIV (Caderneta de Informações de Voo) que Nelson guarda até hoje.

Data do último registro de voo de Ayrton Senna com helicóptero – Foto: Nicolas Horácio/ND

O último registro é de 3 de abril de 1994, saindo da fazenda em Tatuí (SDDL), com destino ao Campo de Marte (SBMT), cerca de um mês antes da tragédia, em Ímola, na Itália, que completou 30 anos na quarta-feira (1º).

“Para mim, não aconteceu. É como se ele tivesse ido uma temporada para a Europa e ainda não tivesse voltado. Apesar de ter visto o caixão, a ficha não caiu. Já passaram 30 anos, mas a emoção continua”, desabafa Nelson.

No 1º de maio de 1994, ele cumpriu o habitual roteiro dos fins de semana de corrida. Na sexta-feira, levou os pais de Senna, Milton e Neyde, para a fazenda em Tatuí. Normalmente, buscaria na segunda-feira, mas naquele fim de semana, a rotina mudou.

Ayrton Senna e Nelson – Foto: Nicolas Horácio/ND

“Aconteceu o acidente e fui com helicóptero buscar a mãe dele. Ela queria ir para Guarulhos e depois para a Itália. Levei ela para São Paulo e voltei para a fazenda, onde estava o Miltão, um médico e um amigo doAyrton, mas ela não aguentou e voltou para a fazenda.

Fiquei com eles lá até o corpo chegar”, diz Nelson. Durante três anos, Nelson exerceu o ofício no Aeroclube de Santa Catarina, trabalhando para empresários catarinenses, e morou em Palhoça. Foi parar em Santa Catarina, após perder o emprego na Casas Bahia, na pandemia.

O piloto Nelson Loureiro – Foto: Nicolas Horácio/ND

O tempo no Sul, no entanto, acabou. Nelson vai retornar para São Paulo e quis o destino que ele pilotasse um helicóptero que pertenceu a um antigo sócio do Senna. Na mala, vai levar as relíquias que acumulou ao longo dos anos, como a réplica do famoso capacete amarelo com listras verdes, pintado por Sid Mosca.

Relíquias do ídolo Ayrton Senna de Nelson Loureiro – Foto: Nicolas Horácio/ND

Também os karts onde Ayrton começou, uma cópia da licença na F1, além de réplicas dos aviões da família.“Sinto muita saudade, principalmente no 1º de maio. Não é que fique mal, dou uma baixada, mas é assim mesmo a vida e ele fez o legado dele. Mostrou o que é ser brasileiro de coração, ajudar ao próximo e colocou o nome do Brasil em primeiro lugar”, enfatiza Nelson.

O ser humano Ayrton Senna

Quem conhece a história de Ayrton Senna sabe da timidez, das namoradas famosas, do lado filantropo. Nelson conviveu e confirma tudo isso. Ele se lembra, por exemplo, de quando resolveu ajudar o Hospital das Clínicas.

“Uma época, um nervo inflamou, ele ficou com a boca torta e tratou no Hospital das Clínicas. Era um banco de madeira infinito e não tinha vip, tinha que esperar. Foi lá várias vezes, viu o drama de outras pessoas, se curou e começou a dar 1 milhão de dólares para o hospital”, conta Nelson.

Ayrton também doava para Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), com uma só exigência: não queria que ninguém divulgasse as doações.“Fazia decoração. Ele também construiu duas clínicas de reabilitação para acidentados de moto, sem falar que era dele. E, quando o Brasil começou a fazer transplante de fígado, pagou para várias crianças”.

Relíquias do ídolo Ayrton Senna de Nelson Loureiro – Foto: Nicolas Horácio/ND

No convívio, Nelson tem memórias de uma pessoa sensacional: “Nunca vi maltratar ninguém.Eu, às vezes, ficava afobado, queria ir embora, na época que não tinha segurança, mas ele queria atender todos. Ajudou muita gente e, onde vou, levo a história dele, porque sei o homem que foi, o caráter”. Também se lembra de alguém extremamente dedicado aos treinos.

Nos hábitos, uma pessoa simples. “Era religioso, não bebia e gostava do tradicional arroz, feijão, bife e batata frita. Era o prato dele”, conta o amigo.

Informação que garantiu uma vitória

Nas pistas de Fórmula-1, o tricampeão levava os carros ao limite, mas o Ayrton aviador era cauteloso. “Não se arriscava. A primeira lição que dei é que o piloto paga na hora, não tem fiado. Tem que respeitar”, relembra Nelson.

Relíquias do ídolo Ayrton Senna de Nelson Loureiro – Foto: Nicolas Horácio/ND

A relação de confiança e amizade também ajudou Senna numa vitória em Interlagos. “Ele me ligou e pensei: ‘Ué!? O que ele quer, se 30 minutos antes da corrida tem que parar de voar na região?’ Daí me pediu: ‘Nelson, liga para o pessoal da aeronáutica, para saber se vai chover.’

Descobrimos que ia chover, mas não sabíamos se cairia na pista. Com a informação, ele pôs pneu de chuva e ganhou”, conta Nelson, detentor de uma pilha de histórias do amigo que jamais esqueceu e que ainda espera voltar da Europa.

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