Com robôs na Amazônia e ‘minicérebros’ no espaço, brasileiro busca tratamento eficaz para o Alzheimer e outras condições


Projeto do cientista Alysson Muotri em parceria com a Ufam quer encontrar na biodiversidade do bioma opções de intervenção para a doença e outras condições neurológicas, como o autismo. Scrolly Abertura Minicérebros
Primeiro cientista brasileiro escalado para ir ao espaço, Alysson Muotri, tem planos ambiciosos na sua bagagem.
Além de conduzir um estudo que pode mudar a colonização interplanetária, o pesquisador quer realizar antes da sua jornada à Estação Espacial Internacional (a ISS), esperada para meados de 2025, experimentos avançados para investigar o potencial terapêutico de plantas amazônicas.
Em entrevista ao g1, Muotri contou que o objetivo é explorar a biodiversidade do bioma, em uma missão especial e ambiciosa, cujos resultados podem ajudar, inclusive, em novas abordagens de tratamento para doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer (entenda mais abaixo).
O projeto pretende isolar moléculas de substâncias presentes em espécies de plantas com potencial terapêutico, testando-as em minicérebros (uma versão reduzida do nosso mais complexo órgão) enviados para a Estação Espacial Internacional.
A ideia é avaliar o impacto de plantas popularmente utilizadas por povos originários em cerimônias de cura para o estudo do tratamento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.
Como os minicérebros simulam de forma simples a organização celular encontrada no cérebro humano e as células cerebrais envelhecem mais rapidamente no espaço (cerca de 10 anos em um mês), essas estruturas são perfeitas para compreendermos os impactos potenciais de condições neurodegenerativas em um curto período de tempo.
Por isso, inicialmente, uma das plantas investigadas será o cipó mariri/jagube (Banisteriopsis caapi), o principal ingrediente do chá ayahuasca.
Esses minicérebros serão então pré-tratados com substâncias de plantas do tipo antes de serem enviados para envelhecer na estação espacial.
Um desafio dessa empreitada, porém, é a dispersão das plantas na floresta a e a perda gradual do conhecimento de identificação pelos indígenas.
Para contornar isso, Muotri está desenvolvendo uma inteligência artificial de reconhecimento de plantas, implementada em robôs em miniatura equipados com sensores visuais. O projeto é desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e com a liderança do povo Huni Kuin, do Acre, o pajé Siã Huni Kuin.
🎮 Agora é sua vez! O jogo abaixo é uma forma de simular o que é o projeto. Movimente o robozinho no mapa e descubra mais sobre as espécies (A reportagem continua abaixo).
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Tudo isso ainda está em fase de testes, com a coleta de algumas plantas facilitada pela identificação automática realizada pelos robôs. Mas o objetivo é, a longo prazo, criar uma base de dados dessas moléculas terapêuticas a partir das plantas coletadas e incluir novas espécies na pesquisa.
“Essa proposta envolve a extração de moléculas de plantas medicinais da Amazônia que são tradicionalmente utilizadas pelos povos da etnia Huni Kuin. Então a sabedoria desses povos já fornece indicações valiosas sobre quais plantas podem ser eficazes para prevenir o avanço [do Alzheimer] ou o comprometimento precoce”, diz Muotri.

Plantas da Amazônia
O financiamento para o projeto foi obtido por meio da participação em uma competição internacional chamada “Humans in Space”, apoiada por uma empresa sul-coreana interessada no tema espacial.
E segundo o pesquisador, que possui publicações nas maiores revistas científicas do mundo e coleciona prêmios decorrentes de suas descobertas, os primeiros passos da iniciativa vão começar já agora neste primeiro semestre, com a preparação dos organoides (como também são chamados os minicérebros).
“Como temos milhares de espécies na Amazônia, na melhor das hipóteses, uma dessas plantas se transformará em um produto comercial para tratar uma dessas doenças”, afirma o cientista, ressaltando que, se esse cenário se concretizar, uma parte dos lucros será destinada aos povos indígenas da região.
Da Amazônia para o espaço
Se tudo der certo, no próximo ano, Muotri será considerado o primeiro cientista brasileiro no espaço. A previsão da viagem do pesquisador foi anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se reuniu com Muotri em julho do ano passado.
E durante a sua tão aguardada estadia na ISS, um dos seus focos de pesquisa será justamente a realização desses procedimentos utilizando substâncias de plantas amazônicas.
No entanto, para ter sucesso nessa etapa crucial, a equipe do pesquisador se dedicará a uma série de preparativos aqui na Terra.

Além da coleta das plantas com os robozinhos (construídos em pequenos carrinhos de plástico ultra equipados com sensores visuais), o plano envolve a criação de organoides cerebrais derivados de indivíduos sem transtornos neurodegenerativos e de pessoas com Alzheimer.
Isso é algo possível de se fazer porque essas estruturas são formadas a partir de “células-tronco pluripotentes”, reprogramadas de células periféricas (sangue, polpa de dente ou pele) do próprio individuo, seguindo uma complexa receita química.
“Uma vez identificada a planta com potencial de conter substância neuroprotetora, amostras serão coletadas da biodiversidade amazônica, extratos produzidos, fracionados e substâncias purificadas a partir dos extratos”, explica Spartaco Astolfi Filho pesquisador da UFAM que coordenará as atividades do projeto que ocorrerão na Amazônia.
Diferentemente do cérebro de um camundongo, por exemplo, que é muito utilizado em pesquisas científicas e atinge sua formação em aproximadamente 20 dias, um organoide cerebral humano leva nove meses para atingir uma semelhança funcional ao cérebro de um recém-nascido.
Por isso, esses organoides serão então pré-tratados com as moléculas isoladas das plantas coletadas pelos robôs antes de serem enviados para envelhecer na estação espacial.
“Eu estou bastante otimista, pois acredito que essas plantas, algumas das quais já revisamos, são pouco exploradas e praticamente desconhecidas. É interessante notar que possuímos um conhecimento acumulado de 500 anos ou mais, indicando que esses povos sabem da eficácia dessas plantas. Embora essa pesquisa possa parecer óbvia, ninguém a realizou antes”, destaca o pesquisador.
O que são minicérebros
Após um período, os organoides retornarão à Terra para comparação com grupos de controle. A análise se concentrará então em identificar diferenças nos chamados fenótipos, como perda cognitiva, entre os grupos que envelheceram de maneira saudável e os afetados pelo Alzheimer.
Assim, o grande objetivo é encontrar moléculas com propriedades neuroprotetoras (que protegem o nosso sistema nervoso) capazes de eliminar as alterações causadas pela doença, proporcionando um envelhecimento saudável aos organoides.
Esses povos têm conhecimentos valiosos que a ciência moderna tem negligenciado, e acredito que há uma grande chance de descobertas significativas. A Amazônia abriga inúmeras plantas, e, embora haja milhares delas, esses povos têm uma compreensão mais aprofundada sobre quais realmente funcionam.
Muotri segura placas de Petri com minicérebros, organoides cerebrais humanos derivados de células-tronco.
Alysson Muotri/Arquivo Pessoal
Caminho longo pela frente
Atualmente, a doença de Alzheimer representa um desafio complexo para a medicina, afetando a cognição e a memória de pacientes diagnosticados com o quadro. Este transtorno neurodegenerativo, responsável por mais da metade dos casos de demência em pessoas mais velhas, gera não apenas impactos emocionais, mas também elevados custos no mercado de tratamento.
E a projeção de crescimento desse mercado para mais de 13 bilhões de dólares até 2030 indica a urgência de soluções eficazes.
Apesar disso, a busca por tratamentos do tipo tem sido marcada por altos e baixos. A recente aprovação de drogas antiamilóides, como o aducanumab, inicialmente gerou expectativas elevadas, mas decepcionou ao não reverter os sintomas cognitivos.
Em contrapartida, o lecanemab, da Biogen, mostrou promessas ao reduzir significativamente a progressão da doença em estudos clínicos de fase 3 (quando são testados os tratamentos em grandes grupos). Apesar da aprovação parcial pela FDA, a agência reguladora dos estados, alguns cientistas ponderam que os benefícios do medicamento são modestos, enquanto os riscos, como inchaço e hemorragia cerebral, são consideráveis.
“A ciência hoje opera com uma escala imensa de dados. E é evidente a necessidade de representações mais sofisticadas”, diz José Wagner Garcia, arquiteto e designer genético, que trabalha há mais de 45 anos com projetos relacionados a arte e a ciência e agora integra a equipe de Alysson.
“A arte, ou a perspectiva do artista, desempenha um papel crucial nessa ampliação sobre o objeto científico, oferecendo um olhar único que mantém a conexão com a realidade”, acrescenta.
Imagem de microscópio eletrônico mostra um minicérebro. Estrutura simula de forma simples a organização celular encontrada no cérebro humano
Divulgação

Nesse cenário, Muotri diz que sua iniciativa surge como uma abordagem inovadora, já que ele propõe utilizar os minicérebros como modelos de desenvolvimento humano para testar potenciais tratamentos.
Ainda segundo o pesquisador, a viagem de 2025 será apenas o primeiro passo para estudos do tipo. “A nossa ideia é começar pelo Alzheimer e ir expandindo para outras condições neurológicas, como a esclerose lateral e o Parkinson.
A nossa expectativa é que funcione. E funcionando para um, vamos repetir isso para uma série de condições”.
VÍDEO: Entenda a pesquisa sobre colonização interplanetária de Muotri
Primeiro cientista brasileiro no espaço conduzirá estudo sobre colonização interplanetária
Créditos do conteúdo:
Edição: Ardilhes Moreira
Reportagem: Roberto Peixoto
Coordenação de arte: Guilherme Luiz Pinheiro
Design: Luísa Rivas, Bárbara Miranda, Dhara Assis e Bianca Batista
Ilustrações: Ana Moscatelli
Motion: Verônica Medeiros
Jogo: Victor Souza e Gabs

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