Alice Braga estrela série ‘Matéria escura’ e fala sobre ‘abrir portas’ para brasileiros em Hollywood: ‘a gente nunca caminha só’


Em entrevista ao g1, atriz discute adaptação de best seller da ficção científica que estreia nesta quarta-feira (8) e representatividade no cinema e na TV. Quase 20 anos depois de iniciar sua carreira internacional, não há como negar que Alice Braga faz parte de uma vanguarda da atual geração de atores, atrizes e diretores brasileiros que têm se aventurado em Hollywood recentemente.
Ao estrelar a série de ficção científica “Matéria Escura”, adaptação do best seller de mesmo nome de Blake Crouch que estreia nesta quarta-feira (8) na plataforma de vídeos Apple TV+, ela ainda pensa na importância da representatividade na TV e no cinema americanos.
“Poder fazer parte disso é muito legal”, diz a atriz brasileira de 41 anos em entrevista por chamada de vídeo ao g1.
“E quanto mais eu puder ajudar e abrir portas e apoiar e produzir coisas para que novas pessoas venham (eu vou fazer). Eu acho que é importante. A gente nunca caminha só.”
Na conversa, ela comenta o movimento dos últimos anos, que teve ainda Wagner Moura, Bruna Marquezine e até Fernando Meirelles, diretor de “Cidade de Deus” (2002), que deu o pontapé inicial para incursão de Braga nos Estados Unidos.
“É muito bonito ver como essa transformação tem acontecido. É uma luta que segue, mas é uma luta de representatividade e eu acho que os brasileiros estão fazendo mais parte exatamente por essa abertura de ponto de vista. A gente está bem representado.”
Assista ao trailer de ‘Matéria escura’
Ela também fala sobre a nova série em nove episódios que estrela ao lado de Joel Edgerton (“O grande Gatsby”) e Jennifer Connelly (“Top Gun: Maverick”), que coloca um professor universitário de física no meio de uma grande trama pelo multiverso.
Curiosamente, o caso raro de uma adaptação comandada (no cargo hollywoodiano de “showrunner”) pelo autor do livro.
Leia a conversa (editada para clareza) abaixo:
G1 – “Matéria Escura” junta dois elementos que estão super em alta no Zeitgeist: multiverso, algo que ninguém consegue fugir ultimamente, e uma coisa um pouco menor que é a questão do “e se?” – uma discussão que rolou muito principalmente no “Vidas passadas” (2023). O que mais te atraiu nessa série, entre esses dois fatores?
Alice Braga – Eu achei muito interessante o fato de o Blake Crouch, que escreveu o livro, ser o showrunner/criador da série. É uma coisa que é muito rara, né? Então, foi uma honra enorme poder trabalhar com ele e poder participar dessa adaptação junto com ele.
Mas o que eu achei muito interessante da obra dele, quando eu li os primeiros dois roteiros e depois eu li o livro, é que o Blake escreve ficção científica de uma forma muito humana, muito conectada com sentimentos humanos, com os personagens, com questões que todos nós vivemos. Seja de amor, seja de arrependimento, seja de vida.
E isso eu achei muito bonito, porque ele pega um gênero que é super clássico, mas ao invés de o foco ser o lado material, o lado só científico, ele vai para o lado humano.
Como atriz, me pareceu um projeto muito interessante, porque trata de questões, como você mesmo disse, muito comuns a todos nós todos nós.
Em algum momento, a gente pensa: “e se eu tivesse feito aquilo? Não tivesse feito isso? E se eu tivesse decidido isso ao invés disso?”
Acho que a questão do arrependimento é uma coisa que permeia muito a nossa sociedade. Ainda mais nos dias de hoje com tanta informação, com a tecnologia, com as redes sociais.
É uma das coisas que o personagem fala – no livro e na série também. Ele pergunta: “você está feliz com a sua vida?”. E eu acho que essa é uma pergunta que a gente acaba se fazendo.
Me parecia um desafio interessante. De enfrentar um lugar de me conectar com o público questionando e debatendo questões que são comuns a todos nós. Fora a quantidade de ação e coisas que a personagem passa. (risos)
Joel Edgerton e Alice Braga em cena de ‘Matéria escura’
Divulgação
G1 – Eu até ia perguntar sobre isso. É realmente muito raro a gente o autor da obra ser o showrunner, como aconteceu com o Blake. Lembro de poucos casos, como foi com o Neil Gaiman, em “Good omens” (“Belas maldições”). Qual é a vantagem de um projeto assim?
Alice Braga – É muito interessante adaptar uma obra que já é um grande sucesso como obra literária para televisão ou cinema, porque já existe uma comunidade de fãs muito grande, né?
Já existe um público que é devoto àquela criação, só que, num livro, as pessoas criam o próprio universo – ainda mais ficção científica – na sua cabeça. Elas têm uma conexão muito pessoal, muito íntima com aquela obra.
Acho que isso é um lugar que eu já fiz algumas vezes, né? Eu fiz com “Ensaio sobre a cegueira” (2008). Eu fiz com “Eduardo e Mônica” (2022) – mesmo não sendo um livro, era uma música, você está brincando com o imaginário.
Eu acho que o Blake se bota numa posição desafiadora. Ele mesmo, como criador. Mas ao mesmo tempo também dá a possibilidade de você estar criando junto com uma pessoa que teve essa ideia original. E isso é muito mágico.
Quando você faz uma adaptação de um livro, algumas mudanças vão ter que ser feitas, porque é muito amplificado, né? Ampliado.
Então, a Amanda, por exemplo, que é a minha personagem. Ele precisou criar algumas coisas específicas na história dela para desenvolver o arco dela que não tinha no livro.
Tem pequenas adaptações que são feitas, porque é um outro tipo de arte sendo feito, né? Não é só alguém lendo o livro e criando na cabeça deles, então o fato de ter o Blake com a gente é muito maravilhoso, porque é o criador recriando uma própria criação dele ao invés de ser uma terceira pessoa adaptando. Acho que triangula mais com os fãs.
Eu estou muito curiosa para ver como os fãs vão reagir e para ver as pessoas conhecerem o trabalho do Blake e começarem a ler os livros dele porque viram essa obra.
Ele é um grande escritor mesmo. O trabalho dele é muito bonito. Não só o “Matéria escura”, mas o “Recursão” e os outros livros dele são muito famosos por isso. Eu acho que ele escreve muito conectado com sentimentos humanos, sabe, que são comuns a todos.
Eu o entrevistei na Bienal do Livro. Ele foi o ano passado e foi lindo de ver a quantidade de fãs brasileiros que ele tem, a conexão que ele tem com eles e o quanto ele gostou da Bienal.
Ele ficou apaixonado, porque disse que é um evento que não vê acontecendo no mundo inteiro. Normalmente são feitos para as editoras, né?
Joel Edgerton e Jennifer Connelly em cena de ‘Matéria escura’
Divulgação
G1 – A Jacquelyn (Ben-Zekry), que é uma das roteiristas e é editora do Blake e mulher dele, falou que você levou a personagem para uma direção diferente da do livro. Que direção foi essa e por que isso aconteceu?
Alice Braga – A partir do momento que o Blake fez pequenas mudanças na jornada anterior a ela entrar nessa loucura que é – quando as pessoas assistirem, elas vão entender – esse universo da caixa, que é possibilidade de viajar para o multiverso.
Não um multiverso, mas múltiplas possibilidades de vida.
Eu acho que muda a intenção dela do que estava no livro. No livro, a gente não tinha tanta informação sobre a personalidade dela. Uma coisa muito importante, que foi criada, é que na série ela tinha um relacionamento e um envolvimento emocional com a outra versão do Jason (Edgerton).
Isso faz com que ela entre nessa caixa e nesse universo de uma forma muito mais emotiva e que seja muito mais envolvida com ele. Não tão fria ou não tão distante.
Então, acho que no livro fazia sentido, mas, quando a gente começou a trazer isso para o corpo físico, acabou que foi para esse lado.
Quase que uma jornada de uma mulher que está se reencontrando e buscando uma auto afirmação e uma força interna para achar o seu lugar no mundo e saber que a felicidade tem que vir dela e não de outra pessoa.
Ela foi tomando essa direção e foi junto com eles. Foi muito através do que o Blake e ela traziam e eu falava. A gente foi muito criando a quatro mãos assim, porque quando você muda alguma coisinha toda a jornada do personagem pode ter outro caminho.
Então, acho que foi meio isso. Foi uma ação e reação.
G1- Em alguma daquelas portas ali existiria uma série em que a Amanda não teria envolvimento com o Jason, seria mais fiel ao livro.
Alice Braga – (risos) Exatamente, então.
Joel Edgerton e Dayo Okeniyi em cena de ‘Matéria escura’
Divulgação
G1 – Falando nisso, e evitando spoilers, se você estivesse nessa caixa que serve de portal para diferentes realidades paralelas, qual o mundo você tentaria visitar?
Alice Braga – É tão engraçado – porque eu não posso dar spoiler –, mas acabou que, quando eu li esse roteiro, eu fiquei muito impressionada, porque era muito um tipo de mundo que eu gostaria de visitar.
É um tipo de mundo que é um sonho realmente. É o mundo mais igual, o mundo onde a gente tem a consciência de que a crise climática existe, está pulsante.
Onde a gente não tem tanta desavença política, a polarização não exista, para a gente conseguir almejar um futuro. Eu acho que o mundo que a gente consiga ter direitos iguais mais do que tudo e sem fome, onde as pessoas não morrem de fome.
Então, é engraçado, porque isso acaba acontecendo na série em certo momento e, quando eu li o roteiro, eu fiquei muito impressionada e falei: “Nossa, eu sonharia também”.
Não sei se de repente fui eu que inspirei o Blake com as nossas conversas, mas o Blake também tem esse sonho. Um mundo mais empático.
G1 – Você já falou que não gosta quando falam que você foi para os Estados Unidos, porque você continua no Brasil também. Mas então vamos dizer que você começou sua carreira internacional pouco depois do “Cidade de Deus” (2002) e de lá para cá muita coisa mudou. Atualmente, a gente vê muitos brasileiros conseguindo seu espaço em Hollywood e o Wagner Moura já até me disse que começou em Hollywood em uma busca por papeis latinos que fugissem dos estereótipos. Você acha que isso tem diminuído por aí?
Alice Braga – Com certeza tem diminuído. É uma luta de representatividade que existe há muitos anos com os latinos e somos latino-americanos. Nós, brasileiros, fazemos parte dessa comunidade e é um público tão enorme nos Estados Unidos que essa representatividade foi mais do que urgente – necessária – para as pessoas reconhecerem que têm a sua própria voz, o seu próprio ponto de vista.
Isso é uma transformação que tem que acontecer em frente às câmeras e atrás das câmeras em lugares também de decisão. Em cadeiras de executivos, em cadeiras diretores e cadeiras de roteiristas, assim como personagens que estão em frente às câmeras.
É muito bonito ver como essa transformação tem acontecido. É uma luta que segue, mas é uma luta de representatividade e eu acho que os brasileiros estão fazendo mais parte exatamente por essa abertura de ponto de vista. A gente está bem representado.
E nós brasileiros somos latino-americanos. Eu acho que a gente tem cada vez mais que abraçar isso. Inclusive assistir a conteúdos latino-americanos. Inclusive se sentir fazendo parte da comunidade latina.
Eu concordo com o Wagner. Acho que hoje em dia é completamente diferente. A Amanda, por exemplo, no livro não é latina. Quem é latino é a Daniela (Connelly). Independente de ser latina ou não, eu fiz o teste e eles me escolheram. A partir disso, o Blake quis transformar ela em brasileira.
Dayo Okeniyi, Alice Braga e Joel Edgerton em cena de ‘Matéria escura’
Divulgação
Eu fiquei super feliz. A gente tem uma cena que fala em português. Trago essa representatividade latino-americana, ibero-americana brasileira para a série. Ela não é uma personagem estereotipada como, durante muitos anos, inclusive eu mesma fiz. Traficante de drogas, o bandido, a doméstica.
Eu sinto essa transformação acontecendo e eu sou muito feliz de ter feito “A Rainha do Sul”, porque foi uma personagem que na verdade transformou o estereótipo. Era uma mulher numa cadeira de poder e, durante muitos anos, foi a única série com uma mulher latina no horário nobre da televisão paga dos Estados Unidos.
Acho que isso também faz parte de uma luta de representatividade. A gente também estar em lugares de protagonismo. Como o Wagner fazendo “Guerra Civil”, que não necessariamente precisava ser um personagem latino. Eu fazendo a Amanda. A Bruna (Marquezine) fazendo uma personagem incrível.
Sinto que é isso. É uma luta que vem de muitos anos, mas é um público que está com muita sede. Por isso você vê o Fernando Meirelles dirigindo “Sugar”. Você vê tantos diretores latino-americanos com um espaço incrível de representatividade aqui. O (Alejandro González) Iñárritu, o (Alfonso) Cuarón, o Diego Luna, o Gael (García Bernal).
Poder fazer parte disso é muito legal. E quanto mais eu puder ajudar e abrir portas e apoiar e produzir coisas para que novas pessoas venham (eu vou fazer). Eu acho que é importante. A gente nunca caminha só.
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